terça-feira, 17 de julho de 2012

Se bem me lembro...


Bairro do CAZENGA: Uma vez mais, a ronda.

Desta vez fomos alertados pelos residentes, que diziam ter apanhado um “pilha galinhas”, e lá estava ele choroso de pé, em cima de um pequeno banco, atado a um mamoeiro.
Quando o desamarrei, impressionou-me ver os vincos nos braços do meliante, fruto de um demasiado aperto da corda que o amarrava.

Recordo o medo estampado no seu rosto, não por ir preso mas porque “segundo dizia”, não tinha os braços. Por falta de irrigação sanguínea estavam dormentes, pedi que os rodasse, o que fez de imediato e com tanta força que parecia querer levantar voo.

Ao longe ouvia-se uma cantoria.
Mais tarde, quando o levávamos para a 7ª esquadra,  verifiquei tratar-se de um funeral. Por respeito, todo o pessoal se calou, dando assim para ouvir bem o que disse um "branco de 2ª" que já de grão na asa, falou:
isso mesmo nosso furriel, leve esses turras para a prisão,
por causa desses merdas é que existe a guerra, etc. etc. Mas não ligamos.

No regresso, ainda lá estava.
Cada vez mais bêbado, reconfortava agora a viúva, continuando a beber
"à saúde do morto".
Mandou mais umas bocas, e de novo não liguei, mas o 1º cabo Mourão não: Identifique-se por favor. 



Ó pá desculpa, não tenho comigo a identificação.
Ai não tem? Então acompanhe-nos.
Sou branco, sou camionista, sou português, …sou tudo.
Exacto, por isso mesmo, vai preso. E foi.
 ..........+++.......... 

De novo, no Musseque do CAZENGA. 
Logo de manhã à nossa chegada, fomos recebidos quase de braços abertos por outro camionista. Conduzia um camião carregado de café e segundo disse, desde a madrugada ansiava pela nossa presença.
Estava enrascado, porque enfiou o rodado da frente do camião numa vala e não conseguia sair.

Os moradores do musseque, andavam a fazer uma casa nova.
Para ligar a água do fontanário existente no outro lado da rua, abriram uma vala para passar a mangueira, tendo o cuidado “para ninguém cair” de a tapar, metendo um ligeiro passadiço.
Era uma vala tão pequena, que deu para enfiar o rodado da frente do camião, ficando pendurado pelo radiador.
O meu Unimog era o famigerado “burro do mato”, equipado com o famoso guincho, que quando necessário, nunca nos deixou ficar mal.
Era preciso a sua ajuda uma vez mais.

Sem demoras conseguiu-se desenrascar o senhor.
Agradecido puxou da única nota que tinha, “segundo disse” uma nota de 500 angulares, que quis dar. Recusei por diversas vezes, mas dada a insistência, um soldado acabou por dizer:
Se o meu furriel não quer, queremos nós.
O camionista ouvindo, deu-lhe a nota. Uns minutos depois após a sua ausência, combinamos gastar tal quantia no marisco.


Fomos a um restaurante no Cacuáco. Era um local à beira-mar, com uma esplanada e mesas redondas, com telhado “também redondo” em capim.

 Habituados aos preços na metrópole, esclarecemos de imediato o dono, que aquele dinheiro seria para o marisco, e as cervejas seriam à parte.

Éramos quatro de cada lado atrás no banco, mais Eu e o condutor à frente, no total 10 militares.
Lagostas, lavagantes, e “outros répteis”, foram até fartar. Continuavam a ser servidos mais e mais pratos do material e avisamos o dono. Esclareceu que estava tudo controlado e que as cervejas estavam incluídas. Não pode ser. Achamos demasiado, e voltamos a avisar.
O tempo foi passando, e empanturrados, resolvemos dar o fóra antes que revisse as contas. Uns 100 metros percorridos, e ouvimos o senhor a chamar bem alto. Meu furiel, Meu furiel.

Pronto, “estamos tramados” bem dizia-mos nós. Sem mais dinheiro, agora vai ser  o bom e bonito, vamos ter de deixar as G3 de penhora.

Comprometidos, voltamos e não queríamos acreditar. Queria dar-nos 200 de troco. É chefe! Fique lá com isso.
Agradeceu, e sorridente disse: Voltem Sempre.

2 comentários:

  1. Vocês estavam era todos bébados.
    500 angolares, era mesmo muuito dinheiro!
    A dividir por 10 dava 50 cada um, com isso fazia-se um banquete, mesmo sem "répteis"!
    Não havia ele de dizer "Voltem Sempre".
    Poderia ter dito - parolos destes não apanho cá sempre!-

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  2. Bonitas crónicas baseadas nas memórias de um tempo com aquele fim que não "estamos à espera"...
    Gostei!

    Abraços
    Manuela

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