segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

CISMI - Curso de Sargentos Milicianos ( 2/3 )



Regressado do Hospital de Elvas, estou de novo em Tavira.

Finalmente deu para conhecer o Tenente Trótil, espécime único pela sua excentricidade. Castigava ou premiava por tudo ou por nada. Dizer que tinha uma pancada é pouco.
Tinha a face um pouco desfigurada com algumas cicatrizes porque um dia “armado em parvo” em vez de utilizar um alicate próprio para o efeito, estrangulou um detonador com os dentes e teve azar. O mesmo rebentou-lhe na boca.
Solteirão, de pequena estatura, convencido e gingão o Tenente Rosário  Sapador e oriundo dos Pupilos do Exército, tinha ciúmes dos militares que nos bailaricos de Conceição de Tavira e arredores, se iam safando com as raparigas enquanto que Ele “mais velho e de fraca figura”, era por vezes rejeitado levando a respectiva tampa.
Se Ela não dançava com Ele, então não dançava com ninguém.

Despeitado, costumava dar um ultimato, segredando ao ouvido daquele que estava a dançar com aquela que o rejeitou:
O Barão tem “x” minutos para se apresentar no quartel.
E o pobre militar zarpava de imediato a todo o gás para chegar antes do prazo terminar, pois o Trótil já lá estava para confirmar.

Nos Crosses, adorava ver a nossa figura, quando na estrada, Ele no meio Nós nas bermas e em passo de corrida, inesperadamente gritava ALTO. Tinhamos de ficar como estátuas nesse preciso instante, conforme sua exigência.
Olhava com toda a calma para todos nós, e tinhamos de resistir sem rir, aos seus comentários jocozos alusivos às nossas diversas e instáveis posições.
Se tudo corria à sua maneira, como era hábito agradecia dizendo: Meus senhores, o Pelotão está taxativamente porreiro.
Meia Volta, MARCHE. e regressavamos ao Quartel ás vezes com poucas centenas de metros percorridos, em vez dos 9 Km habituais, perante o protesto do comandante do Quartel quando nos via chegar.
...........

Era altura do verão.
Os vendedores de gelados, depois de venderem tudo nas praias de Tavira, costumavam encher com água as cubas dos triciclos motorizados, e aceleravam aproveitando as irregularidades do terreno, dava assim para lavar as vasilhas e chegar rapidamente ao máximo de pelotões que recebiam instrução no campo de treinos debaixo de um sol abrasador.
Explorando os militares, vendiam a bom preço a água fresquinha e com diversos sabores, principalmente a "tutti frutti". Possuiam vários púcaros de alumínio para aviarem o máximo de sedentos.

Um dia, lamentamo-nos ao tenente Trótil. Interrompeu a aula e ouviu-nos  atentamente. Por o pré ser escasso, dissemos ao tenente, que não achavamos bem a exploração feita por este algarvéus.

Para nossa surpresa, chamou os “aguadeiros” que espreitavam a oportunidade do intervalo para aparecerem. Pediu uma geral para todo o mundo. Hoje era Ele que pagava.
Foi um esfregar de mãos de contentamento para os vendedores.
Desconfiados bebemos à fartazana e no final quando lhe apresentaram a conta, disparou aos chutos e pontapés, e nem os mais pobres "aqueles que não tinham transporte" que apareciam com os cântaros à cabeça, se safaram. Aliás esses ainda ficaram pior, com as vazilhas partidas.
Escusado será dizer que a partir dessa altura, não apareciam perto do nosso pelotão. Se quiséssemos beber tínhamos de ir ter com eles e com o dinheiro na mão.

Os que lidavam directamente com Ele, ou os que o conheciam melhor, raramente eram apanhados desprevenidos.
Mas uma noite no refeitório, ainda em sentido aguardando a ordem de sentar, Eu segredei ao furriel de serviço queixando-me do pouco azeite existente no galheteiro posto na mesa, e acabei por ser apanhado.
Ó Barão! Eu não disse que queria ouvir as moscas? Pode sair e dirigir-se de imediato ao caifáz.
Pronto, estou frito. Eu conhecia o significado, era a Barbearia. Acabo de apanhar uma “carecada“ e sabia que ele não perdoava. Aguardei a minha vez (Quando o Trótil estava de oficial de serviço, o Caifáz abarrotava de clientes), no entanto quis o pente nº2 em vez do zero, e responsabilizei-me perante o barbeiro que era Eu o responsável caso fosse detectada a meia carecada.
Enquanto estive na barbearia, ele “ao longe” na penumbra, sentado num cadeirão como de costume, espiava se o castigo era ou não cumprido. No final, apresentei-me como era sua exigência dizendo: meu tenente dá licença?, castigo cumprido. Ao que respondeu:
                   Qual castigo?!!       ...Ó Barão, Eu estava a brincar.

Sem comentários:

Enviar um comentário